No dia 5 de junho de 2015, Zuzu Angel completaria 94 anos. Foi conhecida nacional e internacionalmente não apenas por seu trabalho como estilista mas também por sua procura pelo filho, militante, assassinado pelo governo e transformado em desaparecido político.
Faleceu em um acidente de carro no Rio de Janeiro. A Comissão Nacional da Verdade investiga sua morte e suspeita que ela tenha sido planejada pelos militares. Uma semana antes do acidente, Zuzu deixara na casa do cantor Chico Buarque de Hollanda um documento que deveria ser publicado caso algo lhe acontecesse, em que escreveu:. “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.
Zuzu Angel foi sepultada pela família, em 15 de abril de 1976, no Cemitério São João Batista, Rio de Janeiro. Uma de suas duas filha, a jornalista Hildegard Angel, foi a idealizadora do Instituto Zuzu Angel de Moda do Rio de Janeiro, uma entidade civil sem fins lucrativos, fundado em outubro de 1993.
No site Entrepasadoyelfuturo, Carolina Bissoto publicou um artigo sobre a biografia de Zuzu Angel. Veja um trecho deste artigo a seguir.
Zuleika de Souza Netto nasceu em 5 de junho de 1923, em Curvelo (MG), filha de Pedro Netto e Francisca Gomes Netto. Sua família mudou-se para Belo Horizonte (MG), onde fez o curso primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e o ginasial no Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Em Belo Horizonte conheceu Norman Angel Jones, canadense naturalizado norte-americano, com quem se casou em 1943, adotando o nome de Zuleika Angel Jones. Em 1945 teve seu primeiro filho, Stuart Edgart. Um ano depois o casal mudou-se para o Rio de Janeiro, onde nasceram suas duas filhas: Ana Cristina e Hildegard.
A estilista Zuzu Angel ficou conhecida como uma pessoa ousada, criativa, inovadora, talentosa, corajosa, envolvente, charmosa e alegre.
Começou sua carreira como costureira e, mais tarde, tornou-se designer, transformando panos de colchão, fitas de gorgurão, rendas do Norte, pedras preciosas, estampados de pássaros, babados e zuartes em saias, xales e vestidos, criando uma moda autêntica e brasileira que encantou o mundo.
Ainda jovem, com o aprendizado do ofício de costureira, Zuzu costurava para ela e seus filhos. Quando Juscelino Kubitschek de Oliveira foi eleito presidente (1956) muitos mineiros se mudaram para o Rio de Janeiro, entre essas pessoas uma tia de Zuzu que era amiga da então primeira-dama Sarah Kubitschek e que foi a responsável por introduzir a sobrinha na alta sociedade carioca.
Em 1961 separou-se do marido, e em 1970 desquitou-se.
Na década de 1960, seu filho Stuart começou a participar do movimento estudantil, e, em seguida passou a integrar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), uma das organizações de luta armada existente nos anos de ditadura militar brasileira (1964-1985). Stuart teve que entrar na clandestinidade e foi preso no dia 14 de maio de 1971 na Vila Isabel (Rio de Janeiro), sendo levado para o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) onde foi torturado. O ex-preso político Alex Polari foi testemunha das torturas a que Stuart foi submetido e as narrou em carta endereçada a Zuzu Angel, que traduziu a carta para o inglês e a enviou para diversas autoridades, como o senador Edward Kennedy, o presidente do Brasil, general Ernesto Geisel, o ministro do Exército, Sylvio Frota, e o arcebispo de São Paulo,D. Paulo Evaristo Arns, além da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos e a Anistia Internacional. Em um dos trechos da carta, Polari narra que:
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio do CISA. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem-número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e de quando em quando obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos”.
Zuzu Angel denunciou a morte do filho em várias ocasiões, tanto nacional quanto internacionalmente. Entregou, em mãos, uma carta de denúncia a Henry Kissinger, na época secretário de Estado do governo norte-americano, visto que seu filho também tinha cidadania daquele país. Sua atitude, apesar da férrea censura, desnudava o que a ditadura tentava esconder: os desaparecidos políticos.
Zuzu fez, então, “a primeira coleção de moda política da História” – como ela a definiu –, usou estampas com silhuetas bélicas, pássaros engaiolados e balas de canhão disparadas contra anjos. O anjo tornou-se o símbolo de Tuti, apelido do filho desaparecido, caracterizando suas coleções de moda: anjos amordaçados, meninos aprisionados, sol atrás das grades, jipes e quepes militares.