Ana Dubeux, Correio Braziliense
Não se espera pela paz, constrói-se a paz. Dia a dia, passo a passo. A cada pequeno gesto de solidariedade e de gentileza, a cada olhar em direção ao outro, a cada vez que o silêncio permite a reflexão, a cada recuo no ímpeto de agredir e maltratar quem está perto. Da mesma forma, a democracia é feita tijolo por tijolo — ou, para entrar de cara no nosso tema, diria: voto a voto.
Nesta semana, os 30 anos da Constituição que marcou o fim de duas décadas de ditadura nos lembraram o quanto foi longa a caminhada até aqui. Não dá para jogar os dados e arriscar pisar naquele quadradinho que diz: “volte tantas casas para trás” ou “fique uma rodada sem jogar”. Só tem um jeito de o Brasil vencer: manter as conquistas já garantidas e avançar. Nossa única arma é voto, a bala de prata de trajetória certeira. Não dá para errar a pontaria desta vez.
Aqui e ali, surgem os rumores de reforma geral da Constituição. Lá e acolá, rufam os tambores que anunciam salvadores da pátria perdida, como se perdidos estivéssemos. O Brasil vive uma crise, sim. Econômica, política e ética. Partidos dilacerados, corrupção para todos os lados, desalento da população e uma perigosa polarização do “não”.
Em vez de escolhermos quem queremos ver comandando o país e representando nossa voz nas decisões executivas e legislativas, estamos apontando para quem não queremos ver nessas posições. O tal voto útil é uma espécie de fogo amigo, que atenta contra a sua própria vontade, embora não deixe de ser uma estratégia compreensível neste momento. Não somos mais fulano ou cicrano, somos “anti”a este ou aquele.
Mas todo labirinto tem saída. Encontrá-la é questão de paciência e jogadas certas. Simplesmente voltar para a porta de entrada é inadmissível. Sei que parecemos desorientados, mas já estivemos em condições piores. Há muito pouco tempo, habitamos o escuro. Nos porões da ditadura, pessoas foram silenciadas, torturadas e mortas.
Não reconhecer o quanto esse tempo foi nefasto é um erro grave e recorrente no Brasil. Boa parte da população não faz ideia dos horrores que ocorreram em nome da ordem, dos bons costumes, da família. É preciso olhar para a história, reconhecê-la e entender que retroceder em relação à democracia terá um preço altíssimo para o país. É hoje, Brasil! A luz de alerta máximo está acesa. Toda atenção é pouca.
Ana Dubeux, Correio Braziliense, 07/10/2018.