Lázaro Thor Borges – The Intercept BR | O OPALA PRETO, com placas do Poder Legislativo Federal, cruzava tranquilamente a fronteira do Brasil com o Paraguai em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Afinal, em plena ditadura, nenhum policial cometeria o erro de parar o carro que era usado pelo então deputado federal Gandi Jamil Georges, aliado do governo militar. No porta-malas, inúmeras cargas de armas e drogas traficadas sem problemas país adentro, como revelam dossiês exclusivos obtidos pelo Intercept.
Os arquivos do Serviço Nacional de Informações, o todo poderoso SNI, esquecidos por 30 anos, ligam pela primeira vez políticos da ditadura ao tráfico de drogas. Eles mostram que políticos apoiados pelo regime eram amigos, aliados e até irmãos de traficantes e contrabandistas que atuavam no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. O Opala da Câmara é o exemplo mais característico.
Classificados como confidenciais, os documentos foram tornados públicos em 2005 por conta do decreto 5.584 assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determinou que todos os documentos produzidos pelo SNI e pelos extintos Conselho de Segurança Nacional e Comissão Geral de Investigações – órgãos responsáveis por vigiar os cidadãos durante a ditadura –, e que estavam em poder da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, fossem remetidos ao Arquivo Nacional. Os dossiês compilados pelo SNI e encontrados pela reportagem incluem cópias de investigações, relatos de policiais federais, descrições de prisões e apreensões, documentos e observações dos próprios agentes. Mas, curiosamente, ninguém deu bola para os papéis, e eles acabaram esquecidos nas gavetas do órgão, permanecendo inéditos – até agora.
Aliado do então governador do Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian, também do PDS, partido de direita que sucedeu a antiga Arena, o deputado Gandi Georges fazia um serviço de família ao encher o porta-malas de drogas e contrabando. Ele é irmão do traficante Fahd Jamil Georges, conhecido em Ponta Porã como Rei da Fronteira.
Alvo de diversos relatórios do SNI, Fahd Jamil Georges desenvolveu seu império durante a ditadura. Ele só seria condenado em 2005, quando o juiz Odilon Oliveira o sentenciou a 20 anos de prisão por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e sonegação. No ano seguinte, Fahd entrou em uma lista, elaborada pela Casa Branca, que aponta os maiores traficantes de drogas do mundo.
Nos anos 1980, o esquema coordenado por Fahd funcionava da seguinte forma: um primeiro motorista, identificado como Pretinho, era responsável por levar o Opala de Brasília até a capital do estado, Campo Grande, a cerca de 300 quilômetros da fronteira. De lá, Luiz Duim Neto, motorista do traficante, seguia até Ponta Porã e recebia o material encomendado pelo seu chefe – o relatório descreve cargas de cocaína, maconha, armas, munições e até nitroglicerina (ingrediente de explosivos). Ao voltar para Campo Grande, Duim Neto levava material do tráfico até São Paulo ou Rio de Janeiro, onde abastecia as ainda incipientes facções criminosas da região. Ele foi, de certa forma, um precursor da hoje famosa rota do Paraguai, por onde entra boa parte das drogas e armas contrabandeadas no país.
Antes de partir para o sudeste, as armas e as drogas eram guardadas em propriedades da família do deputado federal no estado. Em alguns casos, descreve o SNI, o material era mantido em Ponta Porã e depois colocado em caminhões cobertos com pedra britada, para passarem despercebidos pela fiscalização.
Leia a matéria completa no site The Intercept Brasil (8/07/2019)