Por Ana Helena Rodrigues
Diante dos escândalos de corrupção vivenciados pela política brasileira nos últimos anos, parte da população clama por uma intervenção militar alegando que essa seria a solução definitiva para o problema. A verdade é que durante o período ditatorial houve, sim, corrupção. E muita. Mas havia também uma forte blindagem estatal, feita através da censura, que dificultava denúncias desse tipo contra os militares e seus aliados. Essa prática era considerada estratégia de segurança nacional, uma vez que mantinha a maior parte da população alheia aos acordos governamentais que envolviam troca de favores, distribuição de cargos entre amigos e parentes, desvio de verbas públicas, enriquecimento ilícito e pagamento de propinas.
Em entrevista ao Instituto Vladimir Herzog, Pedro Campos, professor do Departamento de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988”, afirma que mesmo 33 anos depois do fim da ditadura militar, ainda sofremos as consequências do que foi feito naquela época. “O que percebemos é que os grupos econômicos fortalecidos com a ditadura continuam poderosos econômica e politicamente até os dias atuais e permanecem pautando o Estado e as políticas públicas nos dias de hoje”, diz.
IVH – Por que existe no imaginário de parte da população brasileira a ideia de que a ditadura militar foi uma época de crescimento econômico sem corrupção do governo?
O período da ditadura guardou momentos de intenso crescimento econômico, com elevadas taxas de expansão da produção. Porém, aquele pique econômico, sentido principalmente no período do chamado “milagre brasileiro” (1968-1973), não veio acompanhado de distribuição de renda. Pelo contrário, houve concentração de recursos no período e ampliação da desigualdade social. A sociedade brasileira se tornou mais injusta com a ditadura, tendo em vista as políticas estatais implementadas no período, de perfil eminentemente regressivo. Além disso, existe um mito de que no período não havia corrupção. Nada mais falso do que isso. O que ocorria naquele momento é que os mecanismos que hoje funcionam no sentido de investigar e difundir publicamente as denúncias de corrupção estavam amordaçados ou impedidos de funcionar, como é o caso da Polícia Federal, do Ministério Público, da imprensa, do judiciário, dos movimentos sociais, dos sindicatos, dentre outros.
IVH – Como realmente foi? Em que grau e de que maneira a corrupção esteve entranhada no sistema político durante o regime militar?
Tendo em vista que os instrumentos de fiscalização e controle não possuíam autonomia no período para proceder investigações e fazer acusações contra as práticas ilegais, tudo aponta que no período havia ainda mais corrupção do que nos dias atuais, tendo em vista a facilidade com que elas poderiam ocorrer em um ambiente sem sindicatos, imprensa, organizações da sociedade civil e do Estado com liberdade de atuação. No entanto, se ampliarmos o conceito de corrupção e pensarmos que esta diz respeito à atuação estatal em favor dos interesses privados, em especial dos propósitos empresariais, temos naquele período um Estado amplamente corrupto, que agia em favor das empresas e do lucro privado. As políticas estatais durante a ditadura incorriam em amplo favorecimento às atividades empresariais, com proteção, reservas de mercado, isenções fiscais, financiamento facilitado, direcionamento de recursos públicos para encomendas junto às empresas, política sindical e salarial que favorecia as empresas privadas, má ou nula fiscalização dos itens de segurança no ambiente de trabalho, dentre outras iniciativas que faziam o país naquele período um paraíso para a atuação das empresas e para a obtenção de elevadas margens de lucro por parte dessas.
Veja a entrevista completa no site do Instituo Vladmir Herzog