Fonte: G1
Morto na ditadura militar, o líder estudantil Honestino Guimarães faria 70 anos nesta terça-feira (28). Responsável por manter vivos os ideais do tio, o servidor público Matheus Guimarães disse ao G1 que vê o risco cada vez mais real de o país voltar aos anos de chumbo. Para ele, o sinal mais evidente desta ameaça são apoiadores de uma possível intervenção dos militares no Estado para combater a atual crise política.
“O que mais me assusta é que também há gente muito jovem caindo nesse discurso perigoso”.
De acordo com o herdeiro de Honestino Gumarães, a intervenção militar ser cogitada como solução para os problemas políticos do país é a prova de que os brasileiros ignoram a história do Brasil.
“Sem conhecer o passado, estamos fadados a cometer os mesmos erros.”
Erros que, em 1973, levaram à prisão e desaparecimento de Honestino aos 26 anos. Aluno da UnB, ele foi um dos líderes estudantis mais atuantes contra a ditadura militar em Brasília. Acabou perseguido e morto nos porões do regime. O corpo dele nunca foi encontrado.
Hoje, Honestino é memória. Virou nome do Museu Nacional – uma das principais obras da Esplanada dos Ministérios – e do Diretório Central dos Estudantes da UnB. Também substituiu o título de uma ponte no Lago Sul que antes homenagava Costa e Silva.
Apesar das lembranças de Honestino espalhadas por Brasília – onde ele viveu a maior parte da vida –, Matheus lamenta que poucos conheçam a hisória do tio. “Um herói que, como muitos outros, é praticamente desconhecido pelas novas gerações”, definiu o sobrinho.
“É uma luta pelos direitos humanos […] pelo fim do extermínio dos povos mais vulneráveis, a favor das minorias.”
Nova biografia
Amiga do militante, a professora universitária Betty Almeida lança nesta terça naUnB a obra “Paixão de Honestino”. Depois de passar seis anos pesquisando e revisitando memórias, a autora colocou em 414 páginas lembranças, detalhes e fatos históricos que permearam a vida do estudante.
“Com coragem, Honestino se insurgiu contra a ditadura”, disse a autora. Ela narra como o goiano que veio morar em Brasília aos 13 anos descobriu a militância política nos grêmios da escola e no diretório da UnB, onde ele estudou geologia.
Em 27 capítulos, Betty narra a trajetória do rapaz e detalhes pessoais vida do militante. “Era difícil não gostar dele. O carisma era tão grande certamente ele era um dos mais queridos pelos alunos da UnB”, disse.
O lançamento do livro será no auditório Roberto Salmeron, no campus Darcy Ribeiro. Também haverá exibição do documentário “Arquivo Honestino”, produzido pela União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que o militante presidiu antes de ser preso na ditadura.
Além disso, as homenagens continuam na quarta e na quinta. O Museu Nacional que leva o nome dele exibirá o filme “Honestino”. As sessões serão às 19h, e a entrada é gratuita.
História de um estudante
Honestino Monteiro Guimarães nasceu em 28 de março de 1947 em Itaberaí, no sul de Goiás. Mudou-se com a família para Brasília ainda em construção em 1960. Morou na W3 Sul e na superquadra 405/406 Norte.
Gui, como era conhecido pelos amigos, terminou o ensino fundamental e começou ensino médio no Centro de Ensino Elefante Branco, em atividade até hoje. Em 1964, transferiu-se para o Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem), que não existe mais.
Foi nessa época que ele passou a integrar a organização clandestina Ação Popular (AP). Em 1965, antes de completar 18 anos, prestou vestibular da UnB para geologia e foi o primeiro colocado. A atividade política começou a se intensificar.
Preso inúmeras vezes por pichar muros e participar de greves e manifestações contra o regime militar, foi expulso da UnB em 1968. Com a edição do Ato Institucional Nº 5 – que suspendia a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos – passou a viver clandestinamente.
Casou-se e mudou-se com a mulher, Isaura Coelho, para São Paulo. Depois do nascimento da filha Juliana, separou-se de Isaura e foi viver no Rio de Janeiro em 1971. No mesmo ano, passou da vice-presidência à presidência da UNE.
Vida clandestina
Segundo uma biografia no site mantido pela família, Honestino nunca participou de ações armadas. Apesar da perseguição policial, mandava cartas para parentes e amigos, mantinha contato com a mãe e os irmãos e visitava a filha com frequência.
“Com os cabelos pintados de preto para disfarçar-se, ia à praia, ao cinema, ao futebol no Maracanã, ao desfile de Escolas de Samba no carnaval, tomava chope com amigos e até jogava peladas no Aterro do Flamengo. Mas a repressão nunca descobriu seu endereço no Cosme Velho”, diz o texto.
Os órgãos de repressão admitiram ter prendido Honestino, mas ele nunca foi visto por outros presos. Mesmo depois de longos anos de incansável busca, a família não conseguiu saber o que aconteceu com ele, que passou a fazer parte da lista de desaparecidos da ditadura de 1964.
Somente em 1996, Honestino teve a morte oficialmente reconhecida pelo Estado Brasileiro. A primeira certidão de óbito entregue à família, no entanto, não trazia nenhuma referência à causa da morte, o que só foi corrigido com a instituição da Comissão da Verdade.
Em 2014, foi publicada no Diário Oficial da União a declaração que concede anistia política “post mortem” a Honestino Guimarães. O documento também determinou retificação do atestado de óbito, para que conste como causa da morte “atos de violência praticados pelo Estado”.