Pedro Biondi – Brasil de Fato |
Nem uma dádiva que caiu do céu, nem uma graça que se espraiou de forma homogênea sobre todas as almas. O chamado “milagre econômico brasileiro”, período de expansão da economia na ditadura militar e hoje evocado pelos entusiastas do regime, beneficiou-se de condições criadas nos anos anteriores, “abençoou” de forma desigual a população e esbarrou em suas próprias limitações. É o que explicam duas pesquisadoras entrevistadas pelo Brasil de Fato – a economista Leda Paulani e a socióloga Maria José de Rezende –, no mês em que o golpe civil-militar de 1964 completa 55 anos.
“O Brasil teve, naqueles anos, uma média de crescimento muito elevada, que não tem reprodução em nenhum outro momento. Foram seis, sete anos com uma taxa acima de 8%, com um pico de 14%”, ressalta Paulani. Ela lembra que, com a nova base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alguns desses índices ficaram ainda mais elevados.
O período de 1968 a 1973 – há também quem considere 1967 ou 1969 como ano inicial, e 1974 como o último – caracterizou-se por melhorias na infraestrutura, aumento do nível de emprego e desenvolvimento industrial, alavancado por investimentos nos setores de siderurgia, energia e petroquímica. O governo apostava na criação e no fortalecimento de empresas estatais.
Para Paulani, professora titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), o país poderia ter aproveitado o milagre para reduzir a sua histórica desigualdade. Porém, ela explica que havia uma espécie de postulado segundo o qual as altas taxas de crescimento adviriam do congelamento salarial, para proteger a lucratividade e a acumulação de capital.
Assim, a inflação, mesmo derrubada e mantida num patamar considerado baixo na época (entre 15 e 20%), achatou o poder aquisitivo dos assalariados. O poder de compra caiu 15,1% entre 1967 e 1973, segundo o Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese) – perda que se somou a uma ainda maior, de 25,2%, de 1964 para 1967.
“Parece claro que os trabalhadores, de maneira geral, não se beneficiaram do crescimento da renda real do país de forma proporcional à sua evolução e piorou a distribuição da renda pessoal”, escreve o economista Luiz Aranha Correa do Lago, em colaboração para o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Os salários, nos casos em que não sofreram declínio real, cresceram, na maioria das categorias, a taxas muito inferiores à da produtividade ou do produto per capita e o rendimento do trabalho não apresentou ganhos como percentagem da renda total”.
“O Índice de Gini [indicador de desigualdade] antes da ditadura era em torno de 0,54. Quando termina o milagre, está em 0,63 – elevadíssimo”, conta Paulani. “Hoje, praticamente nenhum país tem um índice tão elevado”. Quanto mais perto de 1, maior o fosso entre as classes. Hoje, o índice brasileiro é 0,515.