Por Lucas Vasquez

A censura nasceu junto com a imprensa. E, ao longo dos anos, a busca por superar as armadilhas impostas por ela sempre norteou o comportamento dos jornalistas comprometidos com a verdade. Entretanto, em determinados períodos da história, a censura recrudesceu. No Brasil, durante o período do regime militar, de 1964 a 1985, ela encontrou abrigo e, ao mesmo tempo, resistência. Beatriz Kushnir, mestre e doutora em História Social, escreveu Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, livro considerado até hoje como referência quando se fala no tema. Ela revela à Fórum uma parte dos bastidores da censura à imprensa e avalia como ela atua hoje, diante da mudança de perfil dos veículos de comunicação.

Fórum – Em linhas gerais, como funcionou a censura à imprensa no Brasil durante a ditadura?
Beatriz Kushnir – A censura à imprensa no pós-64 atuou a partir de uma agência chamada Sigab [Serviço de Informação do Gabinete], que estava diretamente vinculada ao gabinete do ministro da Justiça. Eram censores da Polícia Federal, que foram transferidos para esse serviço e que, diariamente, ligavam para os jornais para dizer: “De ordem superior fica proibido…”. Eram os chamados bilhetinhos da censura. Muitas vezes os jornalistas sabiam o que estava acontecendo a partir desses telefonemas. Isso tudo foi feito depois do AI-5. Mas, na noite de 13 de dezembro de 1968, a maior parte das grandes redações passou a receber pessoas do Exército para fazer censura. Os veículos também receberam uma lista do que estava proibido e permitido liberar. Era um número muito reduzido de censores. Então, como esse número reduzido fazia censura à imprensa, ao teatro, à música, ao cinema? É porque se trabalhou com a ideia de autocensura. Como dizia Cláudio Abramo [um dos maiores jornalistas brasileiros], o jornal tem um dono e sai o que o dono quer. Vamos lembrar também que a lei de censura prévia é de 1970, mas, como eu mostro no meu livro, encontrei um documento do Sette Câmara [José Sette Câmara, então diretor do Jornal do Brasil] endereçado ao Alberto Dines [também um dos jornalistas mais reconhecidos do país], de antes da censura prévia, no qual o Sette Câmara dizia como agir dentro do Jornal do Brasil. A censura era feita dessa maneira, introjetando nas redações o que era proibido e o que era permitido.

Fórum – Seu livro Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 pode ser considerado incômodo para a mídia brasileira, pois expõe detalhes sobre os bastidores de jornais e emissoras de TV durante o regime militar?
Beatriz Kushnir – Meu livro se tornou incômodo porque vai no contrafluxo do que a historiografia e os relatos dos jornalistas contemporâneos à época tinham como afirmação, que a imprensa resistiu ao golpe de 1964. Não é verdade. A grande imprensa colaborou com o golpe e com todo o processo da ditadura. Quem foi, efetivamente, contra foi a imprensa alternativa. É por isso que houve a limpa nas redações, principalmente depois que o Golbery [Golbery do Couto e Silva, general e homem influente nos governos militares] chegou ao poder. Todos aqueles jornalistas que incomodavam eram demitidos e se formou uma grande massa de imprensa alternativa no país, que seria o que a gente considera hoje os blogs. É importante notar que quando eu digo que a grande imprensa colaborou, você tem um ou outro espasmo de resistência. Mas isso não é a tônica geral. Por exemplo, a Veja foi censurada logo nos primeiros números, mas depois continuou passando. Quando o Golbery entrou e começou a censurar mais fortemente a Veja, o Mino Carta [jornalista, escritor e editor de inúmeros veículos, hoje da CartaCapital] criou um personagem chamado Falcon, em “homenagem” ao então ministro da Justiça Armando Falcão. A brincadeira do Falcon durou cinco números, porque o leitor sabia que a Veja estava sendo censurada e isso ocorreu até o Mino ser demitido. Outra coisa importante que deve ser lembrada é que se fala muito da resistência do Estadão, de ter publicado trechos de Camões e receitas de bolo. O Oliveiros Ferreira [ex-diretor do Estado de S. Paulo] me concedeu uma entrevista, na época de minha pesquisa de tese, e ele contou que as pessoas ligavam para a redação e diziam assim: ‘Olha, aquela receita de bolo da primeira página tem alguma coisa errada, porque o bolo está solando’. Ou seja, se era uma forma de avisar ao leitor que o jornal está sob censura, não emplacou.

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