Alunos da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) trocaram placas de dentro da escola para prestar homenagem a professores mortos pela ditadura militar.
Frases de Delfim Netto, ex-ministro de diversas pastas da área econômica durante o regime militar, foram substituídas por um discurso de Norberto Nehring, professor de história morto por agentes da ditadura em 1970.
Um escrito de Delfim que ornamenta a parede da biblioteca, em que o economista afirma que “o desenvolvimento não é um processo tranquilo”, foi substituído por uma fala de Nehring, que havia se formado na FEA, e escreveu em um diário: “Nesta vida a senda é estreita. Pisou fora, morreu”.
A ação contou com dezenas de alunos e foi articulada pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairú, que representa todos os alunos da FEA. O intuito, segundo alunos, era questionar o regimento da escola, suas homenagens a figuras da ditadura militar e fomentar o debate de questões extra-acadêmicas.
Uma carta divulgada pelo centro acadêmico questiona “um modelo de Universidade imposto em 1972 que ainda não passou por revisão. Hoje, nosso estatuto chega a definir como infrações disciplinares até mesmo direitos garantidos pela Constituição Federal”. O texto também aborda a violência policial, “que não é menor do que aquela vigente na ditadura”.
Os alunos esperam que até o final do ano a escola aprove a criação de três comissões para discutir formas de ingresso, direitos humanos e segurança na escola.
“A FEA optou por não rever de forma crítica sua história e hoje nossos espaços carregam referências ao período ditatorial que são, no mínimo, passíveis de crítica: Delfim Netto, que participou com destaque de todos os governos militares e declarou voto favorável ao AI-5, é homenageado na nossa biblioteca”, lê-se na publicação dos alunos. “A USP, como um dos mais importantes polos mundiais do livre pensamento, tanto de hoje como de então, não deve se furtar do papel de alertar para a perigosa conivência que praticamos com o passado desumano que ainda nos cerca”.
O grupo frisa que a substituição das placas não era um ataque personalizado a Delfim, professor emérito da faculdade. “Não queremos propor que Delfim seja esquecido, tampouco que sua contribuição aos rumos da economia brasileira seja desmerecida. Mesmo sem ignorar o fato de que a frase estampada na biblioteca indique sua visão particular do desenvolvimento econômico como um processo desequilibrado, contrapondo-se à estática tradicional da visão neoclássica, é inegável que, colocada fora de contexto logo acima de seu nome e com a data que marca o auge da ferocidade do regime, ela assume um sentido perverso que precisa ser questionado”.
OUTRO LADO
O professor Delfim Netto, 87, que dá nome a uma sala e tem frases gravadas na parede da biblioteca biblioteca, conversou com a sãopaulo sobre a ação.
“Isso é coisa de estudante. Quem já fez uma universidade sabe que a coisa é assim mesmo, tem protesto, tem greve. Mas, já que eles estão na biblioteca, recomendo que aproveitem esse espaço e façam uma leitura. Há muitas recomendações lá dentro”.
A Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo emitiu nota em que diz: “A Fea entende que os alunos têm todo o direito de manifestação. Realmente houve uma iniciativa por parte dos alunos na Biblioteca, mas que não foi comunicada previamente à Assistência Técnica Administrativa, órgão que autoriza esse tipo de divulgação nas dependências da Faculdade”.