O último resquício dos anos de chumbo na capital brasileira deverá sair de cena após sanção do governador Rodrigo Rollemberg (PSB). A Ponte Costa e Silva, que liga a Asa Sul ao Lago Sul, era o único monumento, em Brasília, que ainda homenageava protagonistas da ditadura militar. Em três tentativas silenciosas, em 1999, 2003 e 2012, projetos de lei tentaram renomeá-lo. Mas não foram adiante. Ontem, a reivindicação antiga de alguns brasilienses teve fim. Apesar da imensa discussão, a Câmara Legislativa do DF aprovou, com 14 votos a favor, o Projeto de Lei nº 130, que rebatiza a ponte. Sai o presidente militar Costa e Silva e surge o líder estudantil Honestino Guimarães.

Durante 21 anos, o Brasil viveu sob o regime ditatorial. Ao longo de duas décadas de repressão de suspensão dos direitos individuais, os nomes dos homens que lideraram o período proliferaram em ruas, escolas, praças e monumentos por todo o território brasileiro. A partir do processo de redemocratização, iniciado em 1985, Brasília começou a rebatizar os lugares que lembravam os militares. A mudança de nomenclatura precisa ser sancionada pelo governador, que, segundo a Assessoria de Comunicação da Secretaria de Relações Institucionais, aguarda o recebimento da redação final do PL para se posicionar.

Muitos, porém, já celebram a aprovação na Câmara. “É uma vitória política e ideológica. A ditadura foi um processo doloroso para o país. Trocar para Honestino é importante, pois ele foi fundamental para o processo de redemocratização”, analisa o cientista social Eduardo Pereira, 23 anos. Na avaliação do professor de história da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador da Comissão Anísio Teixeira Memória e Verdades, José Otávio Nogueira Guimarães, a mudança será importante, sobretudo, para a democracia atual. “As pessoas que passarem por ali vão se perguntar quem foi Honestino, o que aconteceu com ele, e isso reforça a necessidade de pensar a democracia e de aperfeiçoar os direitos humanos.” Para José Otávio, Costa e Silva foi aquele que assinou o AI5, cassou liberdades individuais e um dos presidentes que mais perseguiu a UnB. “A invasão da universidade em 1968 acelerou o processo de endurecimento do regime. E Honestino lutou contra isso. Então, há uma conexão entre os dois nomes.” O professor discorda daqueles que acreditam que a decisão apaga a história. “Vários monumentos públicos mudaram de nome, como em Berlim, após a queda do muro. Mas a história não pode ser apagada. Esses espaços são objetos de memória, e memória é diferente.”

Discussão
Se a mudança de fato ocorrer, a ponte não será a única com o nome do líder estudantil, desaparecido em 1973. O Museu Nacional e o Diretório Central dos Estudantes da UnB também preservam a memória de Honestino Guimarães. O assunto vem sendo acompanhado pela família do estudante de geologia há alguns anos. Para eles, a decisão fortalece o processo de reparação coletiva.
O servidor público e sobrinho de Honestino Mateus Guimarães, 29, ressalta, no entanto, que a mudança não pode ficar só na nomenclatura. “É preciso que esse processo venha acompanhado de uma série de ações que possam visibilizar o tema, difundir os fatos históricos e provocar reflexões sobre liberdade e sobre a construção da democracia nos dias atuais. Certamente, o desconhecimento do passado é um dos principais fatores que têm levado grande parcela da sociedade a bradar pela volta da ditadura, inclusive achando que isso significa fortalecer a democracia”, avalia.

Em julho de 2012, o monumento foi rebatizado pela primeira vez pelo Coletivo Transverso. Eles aplicaram uma cartolina sobre a placa, alterando o nome para Ponte Bezerra da Silva. “A mudança efetiva do nome representa um pequeno passo no caminho do reconhecimento do fracasso político e econômico que foi a ditadura civil-militar brasileira, e no sentido de respeitar a memória dos que foram mortos ou torturados naquela época”, Cauê Novaes, um dos criadores do Coletivo Transverso, cientista político e mestre em literatura pela UnB. Para ele, mais importante que mudar o nome da placa é suscitar a reflexão. “Como diz Renato Franco: ‘A memória social não pode jamais deixar de reconhecer as catástrofes políticas, os assassinatos coletivos, o massacre dos humilhados e ofendidos, a barbárie, a tortura sórdida contra vítimas indefesas: ela é o único instrumento para sabermos do que nossos antepassados foram capazes’”, completa.

Polêmica
O presidente do Clube dos Pioneiros, Roosevelt Dias Beltrão, 74 anos, não apoia a decisão dos deputados distritais. Para ele, os anos de governo militar tiveram um papel fundamental para a história do Brasil, e Costa e Silva foi um importante presidente para esse período histórico. “Fui amigo de Honestino, dos pais dele e trabalhei com a esposa dele, mas não sou a favor dessa mudança”, completa. O estudante de arquitetura Caio Fiuza, 23 anos, não é contra, mas não vê como algo necessário para Brasília. “É só uma questão de nomenclatura. Acredito que perdeu o sentido depois de um tempo. Perdeu o referencial histórico e caiu em desuso. Avalio que temos questões mais importantes a considerar”, diz.
A Ponte Costa e Silva integra um conjunto de monumentos rebatizados. Há alguns anos, o sobrenome do terceiro presidente na linha sucessória da ditadura, Emílio Médici, sumiu do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e do Departamento de Educação Física, Esportes e Recreação do DF (Defer). A via que liga a Asa Sul ao Gilberto Salomão, hoje conhecida como Ponte das Garças, um dia também foi Ponte Presidente Médici, em homenagem ao ex-presidente, mantido no poder entre 1969 e 1974.

Quem foi Costa e Silva?

Arthur da Costa e Silva foi marechal do Exército e presidente do Brasil durante os primeiros anos do regime ditatorial. Ele foi um dos que assinou o Ato Institucional nº 1 para, arbitrariamente, institucionalizar o golpe militar. Além disso, em seu governo teve início a fase mais dura e brutal do regime. Ele, inclusive, foi subscritor do AI5, que retirou todos

Quem foi Honestino Guimarães?

Honestino Guimarães foi um dos principais líderes estudantis da Universidade de Brasília e um importante opositor do regime militar. Eleito vice-presidente da UNE em 1969, e presidente, em 1971, cumpria na clandestinidade as tarefas na instituição e militava na Ação Popular Marxista-Leninista. Acreditava que a transformação social brasileira só poderia ocorrer pela ação dos trabalhadores organizados. No entanto, nunca participou de ações armadas. Honestino foi preso e torturado quatro vezes. Desapareceu em 1974. os poderes do povo, fechando o Congresso Nacional.

Exemplo maranhense

» No dia em que o golpe militar brasileiro completou 51 anos, em 31 de março de 2015, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), determinou a mudança no nome de escolas estaduais que tinham a nomenclatura em homenagem a militares e responsáveis por crimes de tortura durante o regime ditatorial. A Secretaria de Educação do estado identificou 10 instituições em nove municípios. A escola estadual Marechal Castelo Branco, por exemplo, passou a ser Unidade Jackson Lago (ex-governador do Estado).

Fonte: Correio Braziliense, 02/07/2015