Autor: Augusto C. Buonicore
Depois das grandes manifestações que se seguiram ao assassinato do secundarista Edson Luís, ocorrido em 28 de março de 1968, o movimento estudantil se retirou para as escolas. Esta foi uma das decisões tomadas pelo Conselho Nacional de Entidades da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado na Bahia. Além de concentrar a ação nas lutas específicas, foi decidido aceitar a proposta de diálogo com a ditadura como meio de desmascará-la. As duas teses eram defendidas pelas chamadas Dissidências do PCB e contaram com a oposição dos estudantes da Ação Popular (AP) e do PCdoB.
A AP, que detinha a presidência da UNE e de várias UEEs (União Estadual dos Estudantes), havia sido derrotada por um número ínfimo de votos nestes dois pontos cruciais naquele conselho. Ela defendia manter as mobilizações de rua, priorizando as bandeiras gerais contra a ditadura militar e o imperialismo estadunidense, e rejeitava qualquer tipo de diálogo com o regime, pois induziria o povo a uma ilusão perigosa.
Contudo, novamente a truculência policial iria retirar os estudantes de dentro das universidades e lançá-los às ruas em defesa das liberdades democráticas e contra a ditadura. Tudo começou quando, em 20 de junho, os estudantes ocuparam a reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eles questionavam a situação do ensino e da democracia no país e naquela escola. O reitor e os professores, muitos a contragosto, foram obrigados a dialogar. Passado algum tempo, o prédio foi cercado por um forte esquema policial-militar. O clima ficou tenso. Ainda estavam vivos na memória a invasão policial ocorrida da Faculdade de Medicina na Praia e o massacre que se seguiu. O fato ocorreu em setembro de 1966 e deu origem ao movimento de contestação estudantil chamado “setembrada”.
Temendo pelo pior, o próprio reitor assumiu as negociações entre os estudantes e o comando da polícia. Ficou acertado que os jovens desocupariam o local pacificamente e a polícia não os reprimiria. Contudo, tudo não passou de um engodo. Ao saírem, foram brutalmente agredidos e uma parte acabou sendo encurralada e detida no estádio do Botafogo, onde prosseguiram os atos de selvageria. Os estudantes foram obrigados a deitarem-se no chão com as mãos na cabeça. Soldados urinavam sobre eles. O pior aconteceria com as moças, assediadas pelos policiais. Mais de 300 foram presos naquela noite sombria.
As lideranças estudantis já haviam decidido realizar uma nova manifestação no Rio de Janeiro. Esta iniciativa seria apoiada por representantes de amplos setores sociais, mas muito deles não queriam novos confrontos com a polícia. Uma comissão de cerca de 300 intelectuais e artistas reuniu-se com o governador e solicitou autorização oficial para realizar uma passeata no centro da cidade. Dessa comitiva participavam Hélio Pelegrino, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Nara Leão, Paulo Autran, Tônia Carrero e Odete Lara, entre outros. A permissão acabaria sendo concedida. A decisão, sem dúvida, contou com o aval de Costa e Silva, que queria diminuir o desgaste sofrido com o massacre no campo do Botafogo e a Sexta-feira Sangrenta.
E assim foi sendo construída a grande manifestação de 26 de junho. Neste dia cerca de 100 mil pessoas marcharam calmamente pelas ruas da “cidade maravilhosa”, na maior manifestação oposicionista desde a implantação da ditadura militar em 31 de março de 1964. Marchando juntos estavam estudantes, professores, intelectuais, artistas, clero progressista e os assalariados urbanos, que tiveram grande papel no conflito ocorrido alguns dias antes. O comando estudantil da manifestação era composto por Ronald Rocha (PCdoB), Marcos Medeiros (PCBR) e Cid Benjamin (MR-8) **.
A polícia desapareceu das ruas. Essas passaram a ser controladas pela massa estudantil e popular. Uma convocatória assinada pelas mães dos estudantes afirmava: “Não vamos continuar assistindo impassíveis às humilhações e ao massacre de que estão sendo vítimas nossos filhos. Queremos assim manifestar a mais viva repulsa às últimas violências e pedir ao povo brasileiro que nos apoie com sua compreensão e nos acompanhe em nosso protesto.”.
Leia o artigo na íntegra no site da Fundação Maurício Grabois