Em 1968, as atrizes Eva Todor, Tônia Carreiro, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara, Cacilda Becker e Norma Bengell, marcharam contra a censura do governo em plena ditadura militar – Gonçalves / Agência O Globo
Quando artistas fizeram uma greve contra a censura, em fevereiro de 1968, um cordão de mulheres marcou a história. De mãos dadas, Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara, Cacilda Becker e Norma Bengell caminhavam à frente da multidão que marchou pelo Centro do Rio. Meses depois, em outubro do mesmo ano, o congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, São Paulo, foi invadido e desmantelado pelas forças de repressão. Entre os cerca de 900 estudantes presos, mais de 140 eram mulheres. O feminismo ainda não se configurava como um movimento organizado no Brasil, mas um grupo de mulheres se destacou por uma atitude bastante feminista, ainda que não se dessem conta disso: elas lutaram lado a lado com os homens contra a ditadura que se instalara em março de 1964.

A cineasta Lúcia Murat foi uma das estudantes presas no Congresso da UNE. Mais tarde, após o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), entrou na clandestinidade e veio a integrar a luta armada. Liberada após o congresso, Lúcia voltou a ser presa em março de 1971, aos 22 anos. Na sede do DOI-Codi, na Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, foi torturada com pau de arara, choques elétricos e espancamentos. A história de Murat, de uma de suas companheiras de prisão, a ex-presidente Dilma Rousseff, e de outras mulheres que foram presas políticas será descrita no documentário “Torre das donzelas”, com previsão de lançamento para 2019. No filme, elas refletem sobre as torturas sofridas e sobre o impacto daquele momento na história, 50 anos depois.

Dentro dos movimentos de resistência, conta Lúcia Murat, as conversas sobre feminismo eram limitadas a ambientes informais. O foco dos debates era a luta contra a ditadura, mas uma mulher participar da luta armada já era um ato feminista, por si.

— No momento da guerrilha, o fato de estar lutando ombro a ombro com os homens faz com que você rompa com o machismo, mas isso não significa que, quando termina a guerrilha, não exista um retorno à situação anterior — diz Murat, que em 1989 lançou o filme “Que bom te ver viva”, com o depoimento de ex-presas políticas.

O machismo era sentido inclusive por mulheres que viviam na clandestinidade, caso de Maria Amélia de Almeida Teles. Hoje diretora da União de Mulheres de São Paulo, em 1968 ela vivia escondida com seu companheiro e seu filho em uma casa onde ajudava a produzir o jornal do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

— Eu questionava esse tratamento discriminatório, as relações desiguais tanto no poder de decisão quanto nas organizações, mas esse era um assunto para se tratar depois da revolução. Até 68 eu era a única mulher, mas naquele ano surgiram as estudantes e elas eram muito mais questionadoras do que eu.

Mulheres negras protagonizam nova fase

Amelinha Teles conta que foi vendo o posicionamento enfático das estudantes que ela também decidiu se impor mais e incluir informações sobre questões femininas no jornal que ajudava a escrever. No entanto, lembra, uma parcela importante das mulheres não era tratada devidamente dentro do próprio debate feminista. Uma de suas “estrelas-guias”, lembra, era Angela Davis, feminista americana que militou também no grupo Panteras Negras. Parte das brasileiras não conhecia seu nome, ainda. O livro “Mulheres, Raça e Classe” de Angela Davis, por exemplo, lançado em 1981, só foi publicado em português em 2016.

— Assim como dentro da esquerda existe a misoginia, dentro do feminismo branco por muito tempo as mulheres negras foram ignoradas. E, agora, o que há de mais importante no feminismo brasileiro atual é o protagonismo das mulheres negras— afirma Amélia.

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O Globo (10/06/2018)